Oito anos. Arco-íris e
cores em uma folha em branca. Passatempo de criança. Quer ser desenhista quando
crescer. Nunca pensou em desenhar nas paredes, mas com a ponta do compasso ou
estilete decorou aparelhos eletrônicos e móveis. Televisão, cama... Que susto
quando a mãe descobriu! Inocência ou demarcação de território desde cedo?
Maneira de agredir? Ser
outra pessoa ou si mesmo? O quarto seu mundo. Da décima janela observou grossos
pingos de chuva. Passeando o olhar por apartamentos vizinhos visualizou um
rapaz estudando. O abajur ao lado com lâmpada fluorescente iluminando a mesa.
Por que não existem
vizinhos bonitos como os amigos imaginários que desejamos de verdade?
Aos oito anos já se
julga pela aparência. A menina trancou sua boneca no armário para que ela não a visitasse de noite com unhas crescidas e vida. Quem dá uma Xuxa a uma criança
imagina que ela brincará alegremente? Isso é sádico! Nunca ouviram as lendas?
Por ser pequena a Xuxa
não poderia empurrar a porta do móvel com pulsos tão fininhos, pensou.
Sem a chuva, ela
experimentou o calor em um jardim cercado que limitou a liberdade, mas ela não
sabia disso. As cercas proporcionaram
amizades. E grades de uma quadra, escorregador, balanço e gira-gira transformaram-se
em um parque de diversões para bonecas.
Mas se humanos se machucam
o que acontece a Susi quando a segurança falha? Ela despenca das alturas. Uma perna
quebrada. Papel higiênico, sabonete líquido e água. Minutos depois assino seu
gesso. Um corpo imobilizado, mas no mundo físico nem tudo para tudo há
conserto.
A memória impregna nas
coisas. E eu tenho oito anos com a mão esquerda.
II
- Por que desenhou na
televisão com estilete?
Por
que fiz isso? Eu não sei!
- Eu queria marcar...
Ainda
bem que ela não viu a cama.
Demarcação
de território? Tão cedo? Tenho uma futura pichadora em casa?
Da décima janela
assistiu a chuva. Grossos pingos, apartamentos vizinhos. Quem nunca observou? O
rapaz estuda à mesa. O abajur fluorescente ilumina ao lado.
Existem
vizinhos bonitos como os amigos que inventei? Por que eles não existem?
- Por que a boneca
estava no lixo, Isabel? Sabe quanto custa?!
Não...
- Não quero ela. Ela
arranha! Ela veio atrás de mim de noite. Tenho medo. Joga fora!
Havia lendas no meu
tempo. É sádico presentear com uma Xuxa.
- Vou prendê-la no
armário, tá bom? Ela é fraquinha. Não vai conseguir empurrar a porta.
Verdade,
ela tem pulsos pequenininhos.
- Huhu – concordou a
criança. – Se ela cair de cima do armário, terei que engessar ela igual eu fiz
com a Susi. Você lembra, mãe?
- Lembro minha médica.
Como fez o gesso?
- Papel higiênico,
sabonete e água. Quando secou eu assinei meu nome.
A memória impregna nas coisas. E eu tenho oito anos com a mão esquerda.
Categories: IsabelStrozzi, Oficina2015
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