segunda-feira, 11 de maio de 2015

Oito anos. (Duas versões)

Posted by Carolina Desirée On 15:35
Oito anos. Arco-íris e cores em uma folha em branca. Passatempo de criança. Quer ser desenhista quando crescer. Nunca pensou em desenhar nas paredes, mas com a ponta do compasso ou estilete decorou aparelhos eletrônicos e móveis. Televisão, cama... Que susto quando a mãe descobriu! Inocência ou demarcação de território desde cedo?

Maneira de agredir? Ser outra pessoa ou si mesmo? O quarto seu mundo. Da décima janela observou grossos pingos de chuva. Passeando o olhar por apartamentos vizinhos visualizou um rapaz estudando. O abajur ao lado com lâmpada fluorescente iluminando a mesa.

Por que não existem vizinhos bonitos como os amigos imaginários que desejamos de verdade?

Aos oito anos já se julga pela aparência. A menina trancou sua boneca no armário para que ela não a visitasse de noite com unhas crescidas e vida. Quem dá uma Xuxa a uma criança imagina que ela brincará alegremente? Isso é sádico! Nunca ouviram as lendas?

Por ser pequena a Xuxa não poderia empurrar a porta do móvel com pulsos tão fininhos, pensou.

Sem a chuva, ela experimentou o calor em um jardim cercado que limitou a liberdade, mas ela não sabia disso.  As cercas proporcionaram amizades. E grades de uma quadra, escorregador, balanço e gira-gira transformaram-se em um parque de diversões para bonecas.

Mas se humanos se machucam o que acontece a Susi quando a segurança falha? Ela despenca das alturas. Uma perna quebrada. Papel higiênico, sabonete líquido e água. Minutos depois assino seu gesso. Um corpo imobilizado, mas no mundo físico nem tudo para tudo há conserto.

A memória impregna nas coisas. E eu tenho oito anos com a mão esquerda.  


II

- Por que desenhou na televisão com estilete?

Por que fiz isso? Eu não sei!

- Eu queria marcar...

Ainda bem que ela não viu a cama.

Demarcação de território? Tão cedo? Tenho uma futura pichadora em casa?

Da décima janela assistiu a chuva. Grossos pingos, apartamentos vizinhos. Quem nunca observou? O rapaz estuda à mesa. O abajur fluorescente ilumina ao lado.

Existem vizinhos bonitos como os amigos que inventei? Por que eles não existem?

- Por que a boneca estava no lixo, Isabel? Sabe quanto custa?!

Não...

- Não quero ela. Ela arranha! Ela veio atrás de mim de noite. Tenho medo. Joga fora!

Havia lendas no meu tempo. É sádico presentear com uma Xuxa.

- Vou prendê-la no armário, tá bom? Ela é fraquinha. Não vai conseguir empurrar a porta.

Verdade, ela tem pulsos pequenininhos.

- Huhu – concordou a criança. – Se ela cair de cima do armário, terei que engessar ela igual eu fiz com a Susi. Você lembra, mãe?  

- Lembro minha médica. Como fez o gesso?

- Papel higiênico, sabonete e água. Quando secou eu assinei meu nome. 

A memória impregna nas coisas. E eu tenho oito anos com a mão esquerda.  

Categories: ,

0 comentários:

Postar um comentário

  • Blogger news

  • Blogroll

  • About

    Textos produzidos em Oficina Literária Como escrever um livro. Curso iniciado em agosto de 2014. O professor Marcelo Ariel em cada aula nos desafia com diferentes temas e formatos de textos (escritos de dez a quinze minutos em média) Proponho que em cada "lição", o leitor do blog imagine o que foi sugerido em aula. Quem será capaz de adivinhar? Em alguns textos há personagens do livro em andamento em meu computador. Em abril de 2015 iniciaram-se as reuniões do Grupo de Estudo criado em oficina. Textos produzidos para essas reuniões terão marcação de Grupo de Estudo.